Como eliminar o caixa alto fictício da contabilidade

Quem nunca viu por aí promessas como “aprenda a eliminar caixa alto fictício da sua contabilidade com um único lançamento”, né? Mais fácil trazer a pessoa amada de volta em 3 dias que cumprir essa promessa sem tapar o sol com a peneira. No texto de hoje, vou abordar de frente o problema, sendo bem realista e propondo uma solução totalmente de acordo com as normas contábeis.

Talvez você tenha lido, talvez não, mas eu já havia comentado desse sintoma de uma contabilidade irreal em um post anterior. É bastante problemático ver um caixa alto fictício numa contabilidade, pois indica não só um ativo mentiroso, como coloca em questão toda aquela contabilidade, afinal… pra onde foram essas contrapartidas falsas?

Caixa alto fictício decorre de duas coisas, basicamente: ou foi lançado a débito do caixa indevidamente, ou deixou de ser creditado indevidamente. Vou trabalhar com a hipótese de que foram feitos débitos no caixa indevidamente.

Infelizmente é comum ver por aí lançamentos dessa forma:

D – Caixa (AC)
C – Banco (AC)
Histórico: suprimento de caixa

Normalmente esse “suprimento de caixa” é uma despesa paga pelo banco, mas que não teve documento fiscal hábil amparando a operação.

Considerando que o contador tenha carta branca para contabilizar a coisa toda como de fato ocorre, se a empresa incorre com uma despesa e apresenta um recibo (ou um relatório) ao invés de uma nota fiscal, o mundo ideal é contabilizar a despesa normalmente:

D – Despesa (Resultado)
C – Fornecedor (PC)
Conforme despesa incorrida

Poderia em notas explicativas divulgar o volume de operações sem documento fiscal hábil, mas que foram contabilizadas preservando o axioma da essência sobre a forma, que permeia a estrutura conceitual (CPC 00) das normas brasileiras de contabilidade (NBC) e dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS).

Ah, claro que se for uma empresa do Lucro Real, adiciona no LALUR e no LACS essa despesa, por ser considerada indedutível.

E se a escrituração errada já aconteceu?

Não existe uma fórmula mágica para arrumar um caixa errado. O caminho seria fazer retificações de erro. Considerando que todos os erros ocorreram em exercícios anteriores, já encerrados, o processo seria resumidamente o seguinte:

Passo 1: Identificar os erros (esse talvez seja o principal desafio, passar um pente fino no caixa e ver tudo que está errado);

Passo 2: Corrigir cada ativo e cada passivo que esteja errado (esses lançamentos são feitos contra o patrimônio líquido, já que dizem respeito a erros ocorridos em exercícios já encerrados);

Passo 3: Divulgar em notas explicativas o processo de retificação de erro e seus fatos mais relevantes;

Passo 4: Apresentar as demonstrações contábeis de forma retrospectiva (ou seja, apresentando as colunas dos anos reelaborados, retroagindo até a origem).

É trabalhoso. É chato de fazer. Mas é o único caminho 100% correto para eliminar erros de uma contabilidade, totalmente em acordo com o CPC 23.



Não tem um outro jeito?

Uma outra alternativa seria considerar a contabilidade imprestável e no início do exercício social fazer estabelecimento de escrituração contábil. Isso significaria levantar todos os ativos e passivos, para estabelecer o patrimônio líquido, utilizando processos de levantamento documentação, circularização etc.

O problema dessa outra alternativa é que ela é extremamente radical e expõe ainda mais a empresa, pois a empresa está declarando que toda sua contabilidade até agora não existia de verdade. Imagine os problemas com balanços (agora imprestáveis) que foram usados para aprovar financiamentos bancários, licitações etc. Sem falar das consequências tributárias disso.

Relacionamento profissional e posição ética

Cá entre nós, não tem nada de complicado tecnicamente, certo? É até bem tranquilo de fazer. Pode ser trabalhoso, pensando em volume de trabalho, mas não é complexo. O problema é o embate que ocorre, na prática, quando o empresário não só quer fazer operação sem nota, mas ainda quer obrigar o contador a não contabilizar o fato ocorrido.

Surgem aí impasses no relacionamento profissional que são muito maiores que as dificuldades técnicas de fazer lançamentos contábeis. Contabilizar correto e expor o erro do cliente? Não contabilizar e assinar uma demonstração contábil mentirosa afirmando que ela está correta? Manter um cliente que lhe induz a descumprir regras da profissão? Demitir o cliente para manter a postura profissional?

Com todo o cuidado para isso não parecer uma piada, mas o fato é que até pra fazer coisa errada o empresário tem que saber fazer. Até porque, quando ele faz mal feita a coisa errada e o contador fica sabendo disso, surge uma outra questão: o contador vai comunicar ao COAF a operação ou vai fingir que nada aconteceu?

Hoje em dia, não há mais como o contador ficar em cima do muro. Ou ele se posiciona defendendo aquilo que é o correto/legal e comunica ao COAF, ou ele se posiciona ao lado do cliente que faz a operação e se assume nessa condição.

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