Na atividade imobiliária, receita fiscal e receita contábil são coisas completamente diferentes. Entenda o por quê da receita contábil não ter nada a ver com seus recebimentos.

Nos meus cursos, em algum momento alguém costuma soltar uma frase mais ou menos assim:
– Ah, Caio! Isso só é simples pra você que tem facilidade.
O lance é que eu já fui a pessoa que dizia essa frase. Talvez você já saiba, talvez não, mas eu aprendi contabilidade na área imobiliária, prestando serviço dentro de um grupo de incorporadoras. Eu aprendi débito e crédito enquanto tentava entender o POC. Eu aprendi estrutura patrimonial tentando entender tributo diferido. Eu sei que essa simplicidade não brota do nada, acredite em mim.
Mas eu sou insistente na ideia de que a contabilidade imobiliária não é difícil. Ela não é complexa. Ela só depende de basicamente duas coisas. Primeiro, dividir sua cabeça entre informações contábeis e informações fiscais. É como se você dividisse, particionasse, seu cérebro. Segundo, criar rotinas adequadas para que a informação siga um bom fluxo. Tendo essas duas coisas, é só uma questão de repetição até ficar expert nesse negócio. Com isso, a simplicidade da contabilidade imobiliária vai surgindo conforme você vai enraizando essas rotinas na sua vida profissional.
Particionando seu cérebro
Falando especificamente do primeiro ponto, eu lembro até hoje a frase que fez a chave virar pra mim. Eu estava naquela fase em que quando eu via a coisa ser feita, entendia… mas na hora de fazer sozinho, batia na trave. Ainda confundia as coisas, aplicando o POC no custo e achando estranho a receita ir pro resultado mesmo sem o recebimento da parcela. Aí a Keila chegou pra mim e falaram assim:
– Na contabilidade, a receita é o que você tem DIREITO A RECEBER.
Meu, sabe quando todas as fichas caem e tudo começa a clarear? Foi exatamente assim que aconteceu. Essa frase foi se desdobrando no meu raciocínio, que eu ia validando pra ver se eu tava indo pro lugar certo. Essa frase, inclusive, eu adaptei e uso em todos os meus cursos. Aliás, também dela brotaram outras premissas que carrego todo dia, nos cursos e consultorias:
– Na contabilidade, a receita não é o que você recebe, é o que você tem direito a receber.
Delimitar a receita pelo recebido é o regime de caixa. Isso faz parte do “cérebro tributário”. Na contabilidade, não é regime de caixa, é princípio da competência. Mas como saber o que eu tenho direito a receber?
– Quem manda na contabilidade é o custo.
Afinal de contas, o princípio da competência diz que a receita é reconhecida quando auferida, a despesa quando incorrida, ambas independente de receber ou pagar. Ainda diz pra nós que receitas e despesas correspondentes devem ir pro resultado de forma concomitante. Então pra definir quanto de receita eu tenho direito a auferir, eu preciso saber quanto do custo incorreu. Portanto…
– Na contabilidade, a receita não é o que você recebe. A receita contábil é, de acordo com o que você executou, quanto você tem direito a receber.
Mas será que é de todos os custos incorridos? Numa prestação de serviço sim (empreitada, administração de obra etc). Mas no caso de incorporação e loteamento, você só tem receitas e custos das unidades vendidas (então é pra isso que serve aquela planilha muito louca de controle do estoque). Ou seja…
– Na contabilidade, a receita não é o que você recebe. A receita contábil é, referente ao que você vendeu, de acordo com o que você executou, quanto você tem direito a receber.
Recebeu mais do que isso? Gera um passivo (adiantamento de clientes ou passivo de contrato).
Recebeu menos do que isso? Fica saldo de cliente a receber.
A obra andou? Vai ter receita contábil sim, mesmo sem receber um centavo.
E assim por diante.
Percebe que não é nada muito complexo? Não é física quântica ou coisa do tipo. Não dá pra chamar isso de difícil ou avançado. É só uma rotina diferente do que a maioria dos contadores está acostumado.
Espero que esse post ajude você a entender um pouco melhor a essência da contabilidade imobiliária e, a partir disso, tirar os fantasmas e as travas que eventualmente você tenha a respeito dela.
Fez sentido? Tirou dúvidas? Ou deixou mais enrolada ainda sua cabe? Deixe seu comentário aqui abaixo que a gente vai conversando.
Olá Caio, primeiramente parabéns pelo blog e pelo podcast, ao qual sou consumidor contumaz.
Quanto ao reconhecimento da receita pelo regime de competência e não pelo regime de caixa, apesar de ser essa a boa técnica contábil, quando se faz o casamento com a legislação tributário, alguns problemas são desencadeados. Senão vejamos:
Caso a empresa seja optante pelo Lucro Presumido e utiliza o regime de caixa para apuração dos seus impostos, o reconhecimento contábil dos tributos sobre essas receitas só pode ser feito quando do seu fato gerador consumado, ou seja, o efetivo recebimento, conforme previsão do ICPC 19, itens 8 a 14.
Como resultado, ao reconhecer a receita pelo regime de competência e os tributos incidentes pelo regime de caixa, há um descasamento temporal entre os dois, o que vai distorcer as demonstrações contábeis intermediárias entre a receita auferida e o efetivo recebimento.
Concorda?
Olá, Fábio!
Fico feliz que esteja gostando aqui do blog e do podcast. Espero que esteja sendo útil por aí.
Infelizmente as particularidades da atividade imobiliária não recebem a atenção devida tanto pela legislação tributária quanto pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis. No meu ponto de vista, a ICPC 19 não explora propriamente a tributação pelo regime de caixa. Fala de situações particulares, mas não desta. E o maior problema é que se analisarmos a ICPC 19 isoladamente, somos levados a interpretar que reconheceríamos a receita por competência, mas os tributos por caixa. Contudo, em momento nenhum se interpreta expressamente sobre a tributação pelo regime de caixa. Assim, mesmo com a ICPC 19, eu insisto em explorar a combinação do CPC 32 com o princípio contábil da competência (que permeia os CPCs 00 e 26).
Assim, continuo interpretando e orientando os colegas que reconheçam os tributos diferidos. A DR, a meu ver, precisa ser totalmente societária, por competência, para que receitas e custos/despesas correspondentes sejam reconhecidos de forma concomitante. A simultaneidade na confrontação de receitas e despesas correlatas é, para mim, condição indispensável para uma contabilidade coerente.
Por essas e outras, trabalho com tributos diferidos não somente para IRPJ e CSLL, mas também para PIS e COFINS.
Espero que tenha ajudado. Caso veja a tempo essa resposta, uma dica: dia 07/08/19 farei uma live no instagram sobre receita contábil e receita fiscal. Isso será abordado por lá. Estamos aquecendo os motores para a abertura da nova turma da Formação em Contabilidade Imobiliária e, como efeito colateral, muito conteúdo de qualidade vai rolar!
Forte abraço,
Caio
Caio, sou blog caiu do céu. Muito interessante e prestativo.
Pode me dar uma luz!!
Ontem, realizei um teste para ingressar com auditora interna duma empresa Construtora e Incorporadora e teve uma questão que me pegou de cheio!
Mensuração do valor justo – Imóveis mantidos em estoque para venda. Pode ser mensurado. Respondi que sim, com base no CPC 46.
Logo veio questionamento sobre a tributação! Com relação a tributação pelo lucro real, acho que consegui concluir questão.
Até que veio o questionamento sobre a tributação sobre o lucro presumido, dai reparei que não havia visto nada a respeito.
Tens algum trabalhos sobre este assunto da mensuração do preço justo dos imóveis a venda e as tributações?
Estoques não podem ser avaliados ao valor justo. De acordo com o CPC 16, para o estoque a mensuração é seu custo ou seu valor realizável líquido, dos dois o menor.
Forte abraço,
Caio